terça-feira, 18 de novembro de 2014

Da tradição a corrupção do vaqueiro

Recentemente, na Paraíba, uma proposta resultou no reconhecimento legal da vaquejada enquanto Esporte.
Institucionalizar a vaquejada como prática esportiva visando a atividade comercial é, antes de tudo, um desacordo que entra totalmente em contradição com os Direitos dos Animais consagrados na lei, uma vez que esse tipo de atividade atenta contra a integridade física e a dignidade dos animais em favor do entretenimento com fins lucrativos. Outro aspecto desta medida é que ela acaba por desvirtuar a própria Tradição.

A origem do vaqueiro está numa tradição de bravura!

Somente em 1874 apareceu o primeiro registro oficial sobre vaquejadas, quando o escritor José de Alencar mencionou a prática. O historiador e etnólogo Luís da Câmara Cascudo dizia que por volta de 1810 ainda não existia a vaquejada, porém já se tinha conhecimento de uma atividade semelhante praticada em Portugal e Espanha.

Em meio a vegetação típica, o vaqueiro figura sempre com o traje característico: gibão, peitoral, chapéu, luvas, botas e perneiras, tudo de couro; uma verdadeira armadura de proteção contra o sol forte, e principalmente, contra os espinheiros, espinhos verdes e cactos.

O tradicional vaqueiro nordestino, assim como o de outras regiões do país, representa um forte elemento cultural do Brasil. Uma atividade árdua que consiste em manejar o gado com uma montaria. Na época dos coronéis o gado era marcado e solto Sertão afora. Depois de alguns meses, os coronéis reuniam os peões (vaqueiros) para juntar o gado marcado. Ao som de aboios e toadas essas eram as chamadas “pegas de gado” que deram origem a atual vaquejada.

Cabe também ao vaqueiro a atividade de ferrar o gado. A marca do ferro, geralmente uma letra, pode trazer também alguns signos ligados à astrologia, ao zodíaco e à alquimia. Foi com base na observação detalhada do padrão de ferros que Ariano Suassuna criou à mão o Alfabeto Armorial.

Em períodos de seca severa o rebanho tem que ser migrado por dezenas de quilômetros até algum manancial, sendo preciso ocasionalmente caçar no meio da caatinga alguma rês perdida e trazê-la de volta. Outras vezes torna-se necessário a derrubada do animal para contenção. Portanto, a ação do vaqueiro tanto livra o animal moribundo de morrer a míngua de sede, como em algumas áreas a ação rápida evita que o animal se alimente com tingui – Mascania rígida –, planta altamente tóxica para o gado, causadora de morte súbita.

O Vaqueiro, de Juracy Dórea (1980): Técnica mista sobre azulejos; 180 x 220 cm – Mercado de Arte Popular, em Feira de Santana, Bahia, Brasil.

Há um espírito de tradição e bravura que permeia a história das vaquejadas, mas esse vigor admirável faz referência ao homem devoto que luta de sol a sol para sustentar a família, o vaqueiro que enfrenta selvas de espinhos para apartar o gado e ganhar o pão do dia, o peão com mãos calejadas pelas batalhas diárias.

Em todo esse contexto a figura do vaqueiro deve ser valorizada e exaltada, no entanto, é absolutamente inaceitável que alguém maltrate animais por esporte sob alegação disso ser tradição. Crueldade não é Tradição.

Um comentário:

  1. Um espírito e uma tradição que nascem deste lado do Atlântico.
    Excelente texto, parabéns.

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